O Laser Disc de Michael Jackson que mudou minha vida
Como aprendi a gostar de música com clipes (e curtas) do rei do pop
Jaime, meu pai, era um early adopter de muitas tecnologias. Ele teve um bipe antes que isso virasse uma coisa, andava com seu Palmtop pra lá e pra cá, e gastou mais dinheiro do que podia em um Laser Disc Player.
Você sabe o que é um Laser Disc? É tipo um DVD… do tamanho de um vinil.
Quando meu pai comprou sua máquina de tocar Laser Discs, o CD ainda era uma grande novidade na classe média brasileira; lembro de ter contato com fitas K7 na infância mas não tanto quanto tive com fitas VHS — o CD não demorou para fazer parte de nosso dia-a-dia musical.
As fitas VHS, porém, eram péssimas. A qualidade de imagem e som era ruim, além de ter que rebobinar, uma porcaria. Mal sabia eu a revolução que o VHS tinha feito na indústria cinematográfica. Meu pai, querendo se adiantar na próxima onda, apostou (e perdeu) nos LDs.
São curtas, não clipes.
Uma das aquisições mais cobiçadas por Jaime era um Laser Disc de Michael Jackson. Nele estavam alguns clipes de suas músicas, ou melhor, short films, como a capa exibia.
Eu e meu irmão nos divertíamos colocando o LD pra tocar e assistindo cada clipe com carinho. Michael Jackson não foi somente um gênio musical — e uma pessoa muito problemática, não tiro isso da equação — mas também um grande contador de histórias em vídeo. Vamos comigo descobrir quais são os 10 maiores curtas de todos os tempos do Rei do Pop (pelo menos até o lançamento desse LD, em 1995, quando eu tinha meros cinco aninhos).
1 - Brace Yourself
NA MORAL, O CARA COMEÇA O DISCO COM CARMINA BURANA.
Podia acabar esse texto aqui, quem em sã consciência faz isso com o fã? O prepara de um jeito épico para a jornada que vem por aí, com cenas de MJ e seu público em vários países, correndo por aí, se amassando na grade, suando bicas e movendo a emoção de centenas de milhares de pessoas. Caralho bicho, jogou a energia LÁ 🔝 👆 em cima.
2 - Billie Jean
Passamos para o clássico Billie Jean, do discaço Thriller. A música, icônica, ganhou um clipe que trazia uma edição diferentona, com cortes, repetições, e efeitos práticos. Toda a narrativa dele tocando nas coisas e elas acendendo, um quase-midas moderno, desaparecendo quando o fotógrafo acha que o pegou no flagra… tudo isso é parte da construção do personagem Michael Jackson. Ah, tem um tigre no final.
Lembrem do tigre.
3 - The Way You Make Me Feel
Quem nunca fez um catcall com um dance-off, não é mesmo? Nesse clipe, podemos ver como mesmo se você souber dançar e cantar muito bem, ainda merece um mandado de prisão por assédio sexual. Porra MJ, deixa a mulher ir pra casa, cara, que insistência chata do caralho.
Crime a parte (ai caceta) podemos ver de novo a construção do personagem MJ alheio à música. Por mais que a letra fale com o vídeo, é sua atuação e a direção que contam a história.
4 - Black or White
Sim, onze minutos. Afinal, MJ não queria só um clipezinho besta de uma sonzera como essa, né? Ele meteu logo John Landis (The Blues Brothers) para dirigir, e Macaulay Culkin para atuar.
Olha esse valor de produção, essa cenografia, essa apropriação cultural desgraçada. Alguns dizem que MJ minimiza racismo com “I'm not going to spend my life being a color” (e eu concordo), outros dizem que isso é exagero — mas olha que fofinho ele cantando em cima da estátua da liberdade.
Uma coisa bem impressionante pra época é a parte final da música, onde as pessoas vão mudando sem corte, um efeito bem complicado — não tinha After Effects né.
Aí o clipe “acaba” em 6:21. Mas pera, não eram onze minutos? De novo MJ quer não só gravar um clipe, mas contar uma história. No meio do set há uma pantera (lembram do tigre?) que se transforma no próprio MJ, que assusta os gatos do beco, dança sozinho no meio da rua, grita contra o vento, vandaliza veículos inocentes, alguém por favor leva esse moço pra um hospital.
Ah não, tudo bem, É TUDO UM EPISÓDIO DE SIMPSONS.
Caraca mermão, MJ completamente alucinado.
5 - Rock With You
A pessoa que organizou esse disco tem uma excelência ímpar. Depois dessa doideira de Black or White, ficamos com o glamuroso e simples clipe de Rock With You. MJ, cravejado de cristais, dança e canta em frente à uma luz verde. E é isso, sem segredo, sem firula. Um respiro de sanidade nessa jornada de loucura.
6 - Bad
Difícil enumerar a quantidade de particularidades desse clipe, mas vou tentar.
Dirigido por Martin Scorcese.
Escrito pelo Richard Price, ganhador de Oscar.
Tem o Wesley Snipes antes dele ser conhecido.
Tem fucking DEZOITO minutos.
Não é um clipe, é um curta. Nele, MJ é Darryl, e não Michael Jackson.
Ganhou vários prêmios e está no Guiness Book of World Records.
Pesadamente influenciado por West Side Story, o curta (sim) conta a história da luta de Darryl contra a criminalidade — essa vida complicada com muito couro, correntes, roupas rasgadas, gritinhos, pulinhos, e coreografias perfeitamente ensaiadas.
No fim, Darryl continua sua vida como dançarino e Wesley Snipes o perdoa — continuando (ironicamente, veja bem) a ser um criminoso.
7 - Thriller
Se um dia eu elogiei a pessoa que organizou esse LD, eu menti. Não teremos um minuto apenas de descanso, vamos continuar com a adrenalina no alto.
Após o emocionante e sério Bad, seguimos com treze minutos do thriller Thriller (heheheh pun intended). Dirigido por John Landis, é dito o maior vídeo-clipe de todos os tempos por várias publicações.
Se você está só lendo, peço encarecidamente que dê play pelo menos nesse vídeo. Se atente ao valor de produção inacreditável para transformar MJ num lobisomem (que grita “don’t worry” pra namorada enquanto se transforma numa besta folclórica), na jaqueta vermelha que se tornou símbolo do cantor, na qualidade do roteiro — pera, eles estão no cinema? Ou é real? O que está acontecendo?
Novamente MJ dança e canta ao redor de uma mulher — nesse caso sem ser crime — enquanto canta uma das melhores músicas da história da humanidade. Thriller é uma sonzera e clipe incomparável, com direito a plot twist no final.
8 - Beat It
Esse é meu clipe favorito do homem. Beat It é uma experiência sugerida pelo megaprodutor Quincy Jones para o disco Thriller. Para ser rock, precisa ter guitarrista (eu truco, mas ok), e se for pra ter guitarrista, vamos logo colocar Eddie Van Halen pra tocar na música, né?
Achou pouco? MJ queria dar ao clipe um ar de autenticidade que fizesse os espectadores se sentirem dentro da história. Para isso, o cara contratou OITENTA membros de gangues de verdade para participarem do clipe.
Ele colocou Bloods e Crips no mesmo clipe.
E ninguém morreu.
Cês tão entendendo o poder?
Beat It foi o primeiro vídeo musical “telecasted” pela TV norteamericana — ao invés de ser um programa gravado e depois passado para os espectadores, o clipe teve sua estreia ao vivo para todo mundo, até para quem controlava o switcher da emissora de TV. Foi também um dos primeiros vídeoclipes na TV com gente preta como protagonistas (junto com Billie Jean).
E assim, como não querer entrar numa briga de faca ao ouvir esse som? A cena dos caras de mão amarradas e canivetes é transcendental, ainda mais quando MJ chega e fala “calma aí galera, vamos dançar que nossos problemas vão embora”. Ai ai ai, que delícia, cara.
9 - Remember the Time
Agora, pensando bem, deve ter sido um puta trabalho de corno organizar esse LD. Como você consegue dar uma forma harmônica pra um artista com essa gama de videoclipes? Saímos das ruas de LA e vamos para o Egito, onde MJ tenta conquistar a esposa do faraó… pera, é o Eddie Murphy?
De novo, “cês tão ligados no poder?” Toda uma cultura eurocêntrica que colocava egipcios como brancos enfrentada por um clique em que todo mundo é preto, desde o faraó até o cara que toca o gongo. Temos até piadinhas sobre decapitação!
Tá bom, eu duvido que esse clipe tenha ao menos um ator egípcio… mas é divertido, vai.
10 - Don’t Stop Till You Get Enough
Temos aqui mais um clipe dancinha-com-luzes. Simples, direto, acompanhando um clássico de toda criança brasileira: a música do vídeo show.
Aliás, lembram que esses dias eu soltei uma newsletter sobre Cumbia Psicodelica? Então…
11 - Heal the World
Acabamos essa jornada musical com uma música meio pau-mole, exploração do sofrimento alheio, forçação emocional, and so on, and so on.
Confesso que quando essa música chegava eu só desligava o LD e ia fazer outra coisa, já que era criança e não entendia o que significava as coisas que MJ falava — e como artistas como ele tinham dinheiro o bastante para acabar com a fome em múltiplos países mas que preferiram comprar um rancho multimilionário para se esconder da mídia.
Conclusão
Caramba, esse aqui foi longo né? Espero que você tenha gostado dessa viagem e que tenha saído dela pelos menos com uma imagem diferente do poder visual — não só auditivo — de Michael Jackson. Ainda o acho um artista problemático pra caralho, com uma origem bosta que se transformou numa vida bosta. Mesmo não acreditando em separar a música do artista, acho que vale a pena conhecer sua arte, principalmente porque ele já morreu e não vai mais ganhar meu dinheiro se eu der play aqui, escondido em casa.
Até a próxima edição de Moanin’!
Michael Jackson é meu maior ponto de contato cultural com meu pai. eu passava horas assitindo os clipes na infância também, mas no meu caso era tudo em VHS que meu pai tinha gravado de exibições da tv, então tinha comercial e tudo (tipo a xuxa ao lado de uma árvore de natal gigantesca cantando "varig varig vaaarig").
eu AMEI essa compilação, mas mesmo com tantas pérolas os meus 2 favoritos de todos os tempos ficaram de fora haha fica a dica (mas vc deve ter visto): Smooth Criminal, que faz parte do longa metragem Moonwalker, e Speed Demon. esse último é uma OBRA DE ARTE. vou deixar o link aqui.
https://www.youtube.com/watch?v=l039y9FaIjc
Só passando pra dizer que adoro quando Moanin chega na minha caixa de entrada. Seu ponto de vista me faz descobrir coisas novas, até aquelas que não tem nada de novo hahah