Predador é uma aula de cinema
Uma análise dos primeiros 10 minutos do híbrido de ação/terror/ficção científica dos anos 80
Assisti cinco filmes nesse último fim de semana, e como e deles são de antes dos anos 2000, lembrei desse texto que gosto muito e resolvi traduzí-lo.
As rapidinhas, porém, são 100% novas. Se você já leu o texto original (link abaixo), pule direto pra elas :)
Nesta edição do Cronofobia:
Predador é uma aula de cinema
Cinema com ciência
Sekiro: Shadows Die Um Monte de Vezes
Cinco filmes em um fim de semana
Silicon Valley
Predador é uma aula de cinema
Predador, o filme de 1987, é um puta exemplo de grande produção cinematográfica.
Vou defender essa afirmação nos próximos parágrafos, investigando os primeiros 10 minutos do filme.
Por quê? Porque eu gosto de fazer isso. Além disso, acho que meus leitores gostam desse tipo de coisa. Por favor, deixe seu feedback ❤️.
Este artigo tem um objetivo simples: olhar para este filme com uma visão focada, principalmente porque é um filme visto apenas como só mais um filme de ação dos anos 80, mas que, na realidade, ensina muito sobre narrativa, construção de personagens e edição — no sentido literário.
Posso falar pra caramba sobre como eu não consigo simplesmente assistir a um filme e como cada item cultural que consumo nunca é apenas entretenimento, mas vou deixar esse papo para a terapia.
Além disso, não vou colocar aqui uma tabela técnica com todas as informações da equipe. Este link tem tudo.
Como isso vai funcionar
Vou escreverer um pouco sobre cada cena, mas não sobre todas elas. Você pode ler o texto sem nunca ter visto o filme, mas assisti-lo é obviamente recomendado (na moral, o filme é foda). Tirando os detalhes dos primeiros minutos, não vou colocar nenhum spoiler.
A abertura
O filme começa com uma nave espacial lançando algo na Terra. Nada é explicado.
Então, ele corta para uma base militar com helicópteros. A trilha sonora cria tensão.
Alguns homens saltam de um dos helicópteros, cada um com um estilo de roupa diferente — um deles veste terno e gravata.
Um por um, eles saem, revelando uma silhueta misteriosa de um homem fumando um charuto — a trilha sonora muda quando este sai do veículo.
Este homem é importante — a carranca do General se transforma em um sorriso quando ele se aproxima. Seu nome é Dutch, e eles compartilham um passado muito antigo.
Entre mapas, coordenadas e detalhes da missão, Dutch não parece tão convencido pela história do General. A pergunta "por que Dutch?" é prontamente respondida quando ele questiona a missão: ele é o melhor homem para o trabalho — uma frase que sai da boca de outro personagem.
O filme nos mostra uma das cenas mais fortes (pun intended) da história do cinema. Dutch se aproxima do homem sentado no canto, nos diz o nome dele — Dillon — e dá um aperto de mão com dois segundos inteiros de tempo de tela. São pelo menos 48 quadros de suor e músculos que se transformam em uma competição de queda de braço.
Dutch conhece Dillon de forma diferente do General; com ele, sua interação fica física e competitiva. Ele tira sarro do trabalho atual de Dillon e recebe elogios sobre "o trabalho em Berlin".
Aprendemos que Dutch não só ainda está na área profissional dele, mas também que é um ótimo mercenário. Ele tem ética: alguns trabalhos não são seu estilo. Ele saca seu charuto e afirma que ele e sua equipe são salvadores, não assassinos.
Dillon e o general se entreolham — em outra cena de dois segundos que mostra muito: eles estão desconfortáveis com a ética de Dutch. Nada é dito, mas tudo é dito. Há algo suspeito acontecendo.
Dillon interrompe General — mostrando quem está realmente no comando — e se inclui na missão, algo negado por Dutch, mas rapidamente anulado pelo General.
Pausa
Nem 7 minutos se passaram e já sabemos:
A ameaça não é da Terra;
Uma equipe lidará com a ameaça (não uma única pessoa);
A equipe é diversa (diferentes estilos e roupas);
Quem é o personagem principal (o único fumando e com uma camisa polo de cor brilhante);
O nome do protagonista (Dutch);
Sua relação profissional e respeito com um comando superior (o General);
Sua relação casual, quase desrespeitosa, com seu colega de antigamente (Dillon);
Como ele ainda está fazendo seu trabalho enquanto Dillon se tornou um funcionário de escritório;
Sua experiência;
Sua excelente reputação;
Sua bússola moral;
Sua falta de confiança no general e em Dillon;
O plano — há algo falho nele;
Quem está realmente no comando: Dillon;
A oposição de Dutch à presença de Dillon na missão;
Essas cenas exemplificam perfeitamente o lema "mostre, não conte". Sempre que alguém te perguntar sobre como essa parada funciona de fato, dê play nesse filme.
Ele apresenta tantas informações significativas sem pausa que já nos deixa investidos na história em menos tempo do que se cozinha um macarrão.
O time
Depois dessa conversa, o filme mostra uma montagem muito difícil de digerir. São cenas e mais cenas do helicóptero levando a equipe para a missão. Depois de tanta informação jogada na gente, essa parte até parece banal, chata e sem graça. Mas, como acontece com muitas coisas nesse filme, há uma razão clara para que essas cenas existam. Elas — de novo — nos mostram muita informação sem precisar de uma única linha de explicação.
Dois helicópteros voam sobre a selva. Dutch está com fones de ouvido e responde a perguntas — ele está no comando. Um dos membros da equipe curte o som alto de um rock'n'roll e come uma parada que todo mundo no veículo nega — não parece muito gostoso.
Um homem com o rosto pintado faz uma bola de fita e a joga em direção a um membro da equipe com aparência de CDF — ele lê um jornal e usa óculos grossos. Ele é um nerdola, mas não é lento, pois pega a bola no ar.
Dillon também fala com alguém por fones de ouvido — opa, quem está no comando? — e diz a Dutch que não eles não terão reforços. Na “Jornada do Herói”, esse é o ponto sem volta.
O soldado nerd tenta contar uma piada para um homem ao seu lado, mas o colega não demonstra o mínimo de apreciação. Será que nerd não é engraçado ou que o outro é muito duro? Talvez os dois?
Podemos ver um dos soldados raspando o rosto sem pêlos, quase como um tique ou ritual.
O soldado muito machão, comendo o que quer que seja — parece nojento — cospe nas botas de Dillon. Ninguém nesta equipe gosta do agente da CIA.
Pausa
Passaram-se apenas três minutos. Agora sabemos um pouco sobre a personalidade de cada membro da equipe.
O que cospe na bota de Dillon se sente melhor do que todos — ele se denomina um tiranossauro sexual. Outro tenta fazer piadas engraçadas sem sucesso. O outro é duro e sério; talvez ele não risse nem se fosse a melhor piada da Terra.
Um soldado tem um hábito estranho — raspar seu rosto limpo como pele de bebê — e o outro tira sarro de seus colegas — o que é mostrado por suas habilidades de arremessar bolas de fita.
Além disso, o relacionamento de Dillon e Dutch é explorado mais em algumas linhas simples: seu passado como colegas e a falta de confiança de Dutch nas informações de Dillon.
Dez minutos
Esta abertura nos mostra muito sobre o que está por vir, com uma excelente economia de frases e cenas. Desse momento em diante, o filme progride — de um filme de ação para uma história de terror e ficção científica.
Mas nem tudo é perfeito. Sinceramente, não gosto muito de uma cena específica: um soldado é surpreendido por um inimigo invisível e começa a atirar sem pensar. Todos o seguem: eles chegam, apontam suas armas para lugar nenhum e descarregam pente após pente. O primeiro atirador está segurando uma minigun — uma arma projetada para ser usada montada, que queima US$ 150 de munição por segundo. Eles até terminam a cena dizendo: "não acertamos nada!"
O diretor esclareceu essa cena em uma entrevista, expressando que ela foi feita para parecer boba e sem propósito — uma sátira ao hipermilitarismo norteamericano. Ainda assim, e mesmo de entender a motivação, não gosto muito dela.
E agora?
Recomendo assistir ao filme e prestar atenção nesse roteiro genuinamente ótimo: como as informações são dadas sem longas explicações, como a personalidade do personagem é mostrada por suas ações, como Dutch tenta enfraquecer o inimigo com sucesso — ele é nosso herói! — mas também falha — o inimigo é inteligente.
Além disso, o filme tem uma boa quantidade de frases de efeito que foram repetidas e reutilizadas ao longo de toda a história de Hollywood.
Ouça!
Outro destaque do filme é a trilha sonora de Alan Silvestri — ele fez o tema dos Vingadores, então, sim, ele sabia o que estava fazendo.
A trilha sonora é perfeita. Ela cria tensão quando necessário e a alivia nos momentos certos.
Dê play no vídeo acima e olhe ao redor: você tem certeza de que está sozinho agora?
Conclusão
Sinceramente, eu poderia escrever sobre o filme todo, do começo ao fim, mas vou te poupar. O foco deste artigo, como dito no começo, era mostrar o quanto pode ser feito em 10 minutos de filmagem, e acho que atingi esse objetivo.
Espero que você tenha gostado desta análise. Se sim, curta esta publicação no Substack e comente o que achou. Assine esta newsletter para receber textos como esse — e coisas distintas sobre as quais ainda não tenho certeza. Vamos descobrir juntos.
Rapidinhas
Cinema com ciência
Vou num date (uuuu) bem nerdola na semana que vem. O (respira fundo) Centro Internacional de Física Teórica & Instituto Sul-Americano de Pesquisa Fundamental (ICTP-SAIFR) (expira) organiza em parceria com o Reag Belas Artes sessões de cinema de ficção científica seguidos de debates com pesquisadores, o Ciência no Cinema. Eu vi A Chegada lá — com uma discussão foda com a tradutora e amiga pessoal Jana Bianchi e o físico Marcelo Munhoz.
Dia 20/10, às 19h30, vai rolar “Teoria de Tudo”, com debate com o físico Nathan Berkovits, da IFT-Unesp e diretor da ICTP-SAIFR.
Eu estarei num date, então se você decidir ir, pode até me dar uma abraço — porém infelizmente meus planos são de dormir junto com outra pessoa.
A não ser que ela se interesse por você também. Sim, eu só saio com gente sem vergonha.
Sekiro: Shadows Die Um Monte de Vezes
Terminei 90% de Sekiro e senti uma vontade muito grande de escrever sobre ele. Vai rolar, no mesmo estilo do texto sobre Hades, mas ainda estou digerindo — e falta UM CHEFE nessa desgraça.
Se você não leu:
Cinco filmes em um fim de semana
Tava um frio da porra em São Paulo, então deitei sob as cobertas na minha caminha na sexta-feira e só me levantei no domingo à noite. Neste tempo absolutamente ocioso, resolvi matar uns itens na minha wishlist do Letterboxd.
Late Night With The Devil (2023 - Cameron & Colin Cairnes): Filme de horror bem divertido, com uma estética toda específica que parece um programa de auditório dos anos 70. Três estrelas e meia, vale ver, mas não é nada excepcional.
The Artifice Girl (2022 - Franklin Ritch): Sci-fi sobre inteligência artificial (mais especificamente Artifical General Inteligence) que entregou menos do que prometeu. É legal e tal mas acaba exatamente no ponto do “e agora?”. Duas estrelas e meia (ou seja, médio).
Twelve Monkeys (1995 - Terry Gilliam): Sci-fi sensacional com Bruce Willis fazendo um maluco que viaja no tempo pra entender uma pandemia global. É bem interessante vê-lo após viver… bem, uma pandemia global de verdade. Estética foda, atuação foda, história quase foda. Quatro estrelas.
Brazil (1985 - Terry Gilliam): Que zona da porra. Nesse sci-fi (dez anos antes de 12 Macacos), Terry Gilliam tomou doze quilos de ácido e dirigiu essa lambança que fala sobre burocracia, fascismo e estética, mas que acaba num romance bobíssimo. Vale a pena ver? SIM, o visual do filme é sensacional, Jonathan Pryce tá sensacional e Robert De Niro rouba a cena. Mas vá sabendo que é uma bagunça do caralho e que, no fim, leva só duas estrelas.
The Abyss (1989 - James Cameron): “Bem melhor que Avatar”, disse meu amigo
. É mesmo. Uns mergulhadores de profundidade se envolvem em uma missão militar e precisam investigar um submarino que afundou — só que do nada rola uma interação com uns seres misteriosos e a missão muda de teor. É divertido, as vezes claustrofóbico, tem conceitos sci-fi interessantes, e uma atuação FODA de Ed Harris e Mary Elizabeth Mastrantonio. Só que são uns três filmes em um — e tem 3 horas de duração. Quatro estrelas.
Silicon Valley
Quando Silicon Valley lançou, em 2014, eu não fazia ideia que viveria na pele muita coisa que a galera da série está vivendo. Achava-a caricata e distante da realidade, e não poderia estar tão errado. Hoje, com muito mais experiência no mundo de startups e tecnologia, to dando muita risada — e tendo PTSD — vendo a série. Estou na temporada 5 de 6.
Eu amo que você escreva sobre filmes (mas fico triste porque normalmente são filmes que eu não vi - e eu tenho uma falha de caráter: não assisto terror - ou algo que possa dar medo - de jeito nenhum). Mas você citou A Chegada e é um dos meus filmes favoritos <3
já tinha lido esse texto versão inglês mas li de novo e me deu vontade de maratonar a franquia apenas porque sim rs gosto da sua escrita sobre filmes!