Os curtas do Mur
Tem ficção, documentário, jornalismo, e entrevista — a vida e obra cinematográfica de William Mur em poucas (mentira) palavras.
Essa edição pode parecer uma puxação de saco gratuita ao meu amigo pessoal
, mas na verdade é só uma pauta fácil. A novidade é que arrumei um emprego, então o tempo anda escasso. Fui pro caminho mais simples e peguei uma pauta que conseguiria matar rapidinho e que, ao mesmo tempo, pudesse te entreter com qualidade.Nesta edição do Cronofobia:
Os curtas do Mur
O Dia do Chacal
Aliás, se você tá lendo esse texto, o que acha de já pular ali no fim e dar um like naquele coraçãozinho? Eu quero medir melhor quem de fato lê minha newsletter e o que é só um número inflado do Substack. Obrigado <3
Os curtas do Mur
Fico impressionado como algumas pessoas apareceram na minha vida. Ainda não acredito que sentei para tomar cerveja com Matheus Leston (e ainda fiz o site dele), que já cantei Linkin Park no karaokê com o escritor Felipe Castilho, que já fiz uma tatuagem (e uma amizade) com Amora Bethany, uma das criadoras do jogo Celeste. Claro que há muitas outras pessoas fodas, mas não dá pra citar todo mundo.
Já eu, que só tenho seis anos, não sou ninguém na fila do pão.
Mur é uma dessas pessoas. O conheci na Folha de S.Paulo, quando ele era infografista e eu, diagramador. Nossa vibe bateu de primeira — dois malucos — principalmente com o jeitão dele meio “ah, que se foda” de ser. Não me entendam errado; Mur é um ótimo profissional e entrega resultados de extrema qualidade. Ele só não se deixa levar por certos preciosismos que eu vejo afundando muito artista em potencial.
Tipo eu. Precisosismos que me afundam. Vou ter que levar pra terapia. Saiba mais lendo aqui:
I DIGRESS.
Nossa amizade beira os 10 anos, e muita coisa aconteceu nesse tempo todo. Pra dar um panorama: quando ele e a esposa tiveram filhos, eu os busquei na maternidade. Até aí, tudo bem. A curiosidade é que a esposa de Mur, Daiana, é minha ex-mulher. A gente ainda almoça de domingo sempre que possível. A vida é louca.
Porra, I DIGRESS DE NOVO. Vamos ao que interessa.
De toda a produção de Mur (tirando a prole), uma das coisas que mais gosto são seus vídeos — seja cinema ou jornalismo. A gente chegou a fazer uma série pro Instagram que eu amei — e que foi descontinuada logo que a Folha descobriu que fazer vídeos de qualidade não dava dinheiro; só de assalto e tragédia.
Olha esse cenário (e eu com quase zero tatuagens):
Ele fez videoreportagens e animações de extrema interessância — sempre com piadinhas e sarcasmo.
Outra série que eu adoro — e que acabou pois… bem, eu sei bem que tem projetos que cansam quando a produção custa e a visibilidade não vem — é a "50 livros para você entender o Brasil". Mur escolheu uma pilha de publicações no mínimo peculiares e explicou cada um como se fossem obras clássicas, necessárias para a educação literária brasileira.
Puta que me pariu. I DIGRESS de novo. Já foram 500 palavras e eu não falei de um curta do Mur ainda. Vamos lá, agora ao que realmente interessa.
Os Curtas do Mur
Como Escolher Seus Óculos
Seu debut foi um vídeo simples, de um minuto, com narração em off e o próprio Mur — com aparentemente doze anos de idade — sendo o ator. Já julgo: é um trabalho de faculdade, não tem nada de genial. Mas é o primeiro curta e eu já decidi falar de todos.
EXCELSIOR — A Máquina do Som
Como quem não quer nada, ele foi logo para um filme de ficção científica. Vocês sabem que esse é meu gênero favorito, e que a gente não vê muito sci-fi brasileiro. Sempre curto muito a cenografia de Mur — não à toa ele hoje dá cursos de storyboard, desenho de cenário, e outras mil coisas, sigam o Instagram dele — e o set é simples mas funcional, com direito até à roupa de astronauta. O curta tem robô, transição estilo Super Amigos, e gente vestida de macaco. Sci-fi low budget raiz.
BONG!
“Ah, fazer filme com ator é fácil. Será que dá pra fazer filme com boneco?” E aí veio BONG!, com sua divertida trilha sonora e, de novo, ótima cenografia. BONG! é um exemplo de como uma história simples pode ser contada de forma cativante se a gente focar em boas imagens.
Detetive
Quando o conheci, o curta da vez era Detetive. Bem mais ambicioso que os outros, Detetive tem mais atores, mais cenários, mais diálogo, e o roteiro é mais complicado. Gosto de como Mur pega uma história mundana e a extrapola, juntando uns clichês (como a tal história de detetive) e moldando coisas simples ao redor deles. Confesso que não sou tão fã assim de Detetive — acho que faltou um tchan pra ele me pegar — mas ainda assim o acho impressionante.
12 Brinquedos e Uma Sentença
Mur fez de novo. “Atores se mexem muito. Bonecos também se mexem demais. E se a gente fizer um filme com… fotos?”
12 Brinquedos e Uma Sentença é, claro, uma sátira à 12 Homens e Uma Sentença — filme clássico de 57. Mur fotografou com câmera analógica quase todas as cenas, revelou os filmes, e editou as imagens com um voiceover. Os humanos adultos, tal qual um desenho da Hanna Barbera, só aparecem do pescoço pra baixo. A edição é dinâmica, o diálogo é divertido, e a história faz dar risada pelo contraste entre a seriedade — um tribunal — e a bobeira — o réu é a chupeta. Esse é um dos meus curtas favoritos de Mur.
A cena que eles listam os vegetais me tira uma risada sempre: “A salada era feita de: A, abobrinha. B, brócolis. C, cenoura. E T, tomate". Que besteira, que bobeira, que divertido. Se você não deu play em nenhum curta ainda, esse aqui vale a pena.
Eu ajudei (bem pouco) na produção de 12 Brinquedos e Uma Sentença. Participei da leitura de roteiro e dei muitos pitacos. Foi aí que veio a ideia de que eu também poderia fazer um curta.
O Xadrez na Gulag
A Obra Prima de Mur não é um curta ficcional, e sim, um documentário — melhor dizendo, a tradução e recuperação de um documentário antigo.
Essa eu preciso que você assista antes de eu falar qualquer coisa. Sério, não posso dar spoilers. Comentários depois do vídeo.
Assistiu?
Mesmo?
Spoilers abaixo hein…
É impressionante essa história, né? A gente já não aprendeu muito sobre o regime soviético na escola, principalmente porque “oh não, comunistas!” Eu não lembro dessa proibição de xadrez, mas acho bem possível né. Esses comunistas era malucos, certo?
A questão é que, no documentário, é tudo mentira.
Digo, quase tudo mentira. Tem muita coisa no documentário que é verdade, mas a tal proibição do xadrez é mentira. As traduções são mentira. A seriedade é mentira. Se você não souber a geografia da Rússia e a história do regime comunista soviético, não vai perceber que Mur cita duas cidades russas que, na verdade, são a mesma — São Petersburgo e Leningrado. Enquanto a narração fala sobre cavalos e torres nos quadros na casa de Frida Kahlo, as imagens não mostram nada relacionado. Mas tudo parece verídico. Muito verídico.
Não há nenhuma dica que o filme é uma sátira. Se você não sabe, acredita.
Outra coisa que que, talvez, dê a dica que tudo é mentira, são os créditos finais. O filme tem o apoio do Tempos Fantásticos — meu jornal satírico de ficção especulativa que só publicava… mentiras.
Xadrez na Gulag é o ápice da sátira de William Mur e o filme que mais deu o que falar entre os conhecidos — havia aqueles que pegaram a piada de primeira, mas ainda há aqueles que contam essa história no bar como se fosse verdade…
A História da Direita no Brasil - 1ª Parte
O último filme de Mur (até a publicação desse texto) é mais uma sátira e também tem o teor documental. O filme, publicado em 2018 — em um ano de eleições bastante complicadas — fala sobre a história da direita no Brasil.
Mas não é a direita que você está pensando.
A narradora conta sobre como a direita — a direção — influenciou a história brasileira desde o tratado de Tordesilhas (que dividiu a América em direita, de Portugal, e esquerda, da Espanha).
O filme tem tanto imagens de arquivo com narração em off como entrevistas com pessoas populares no centro de São Paulo, mais especificamente, na rua Direita. O assunto das perguntas? Se você é de direita ou, o oposto, canhoto.
Espero até hoje a segunda parte.
O que vem no futuro?
Gente, Mur é pai de dois meninos. Ele é professor, ou seja, um fudido — como todo professor no Brasil. Quase todos os curtas de Mur foram feito com seu suado dinheirinho — no máximo com um financiamento coletivo apoiado pelos amigos próximos. Lucro? Sempre zero, quase sempre negativo.
Eu quero ver mais filmes de Mur? É óbvio. Continuo achando Mur um exímio editor e montador, além de um grande entendedor de cinema, e um desenhista fenomenal, mas não é só de talento que essas coisas são feitas. O dinheiro anda cada vez mais curto e, no exato momento que escrevo esse texto, conversamos como a saúde vem deteriorando com o passar do tempo.
Eu queria filmes, ele foi lá e fez filhos. Escolhas…
Apoie um artista local, siga seu Instagram , compre seus cursos — ele tá cada vez mais especialista em Disney —, o contrate para freelas. Coloque comida no prato dos nenês e, quem sabe, um dia, ele consiga se aventurar no cinema novamente? Oremos.
Rapidinhas
O Dia do Chacal
Esse texto ficou enorme e uma puxação de saco sem fim. Vou continuar.
Há um tempo assisti com meu irmão Theo, de 14 anos, o filme The Killer, do Fincher. Theo gostou, eu achei médio. Mur disse: “vocês tem que assistir o melhor filme de assassino já feito: O Dia do Chacal".
Se é difícil sentar um adolescente pra ver um filme de 2023, imaginem um filme de 1973? Venci essa batalha e vimos, juntos, as 2h20 da sensacional película.
O Dia do Chacal conta duas histórias: um assassino é contratado para matar o presidente francês Charles De Gaulle, e um detetive é contratado para pará-lo. O que mais chama a atenção no filme é sua crueza: o assassino se dá mal várias vezes, o detetive é só um tio de bigode, os políticos envolvidos são incompetentes, o desfarce falha, entre outros problemas que surgem. Porém, nenhuma dessas questões é sobrenatural ou fictícia — não é um 007 ou um Missão Impossível. Tudo é cru, certeiro, vivo, como se aquilo fosse mais um documentário do que um filme de ficção.
Aí fiquei sabendo que fizeram uma série desse filme em 2024. Eu tenho quase certeza que não vou chegar perto, pois Hollywood fez de novo e entendeu TUDO errado. A série é só mais uma história de espião, com explosão, vingança, sangue no olho, e mentiraiada.
Tem uma cena do filme que o detetive é dispensado do caso. Sabe o que ele faz? Levanta da mesa, agradece, e vai pra casa. É só mais um job, não tem porquê entrar no dramalhão cinematográfico (hoje) tradicional. O filme tem uma explosão, logo no comecinho, e só isso.
A série aparentemente estraga tudo isso. Vejam o trailer.
Vejam The Day of the Jackal, o original, e me agradeçam depois.
Por enquanto é só. Obrigado pela audiência, e não se esqueça de comentar aí abaixo.
Mesmo se eu falar 1 milhão de vezes que você é FODA, você não vai acreditar, né? (tava sumida, voltei, saudades)