Mesmo se amanhã eu ganhar na loteria — onde não apostei — e de repente ver dúzias de zeros na minha conta bancária, não serei rico. Mesmo se souber que só de colocar o dinheiro na poupança nunca terei mais que trabalhar em toda minha vida, ainda assim não serei rico. Por fim, se eu tiver acesso livre a qualquer coisa possível na Terra pelo simples fato de ter fundos infinitos, não serei rico.
Provavelmente eu morrerei antes.
E não será de morte morrida — mesmo tendo acesso a todas as melhores substâncias psicotrópicas já produzidas pela mão humana — mas de morte matada. Imagino a cena: eu, tossindo sangue após uma faca ser inserida delicadamente na parte superior de meu bucho, deitado no chão, ouvindo o assassino falar que nunca poderia aceitar minha proposta de dobrar o valor pago por seu contratante por conta de questões de ética profissional. Sim, eu provavelmente serei morto por alguém que se importa com ética profissional mais do que com tirar a vida de um pobre (rico) rapaz sem muitas ambições.
Eu nunca serei rico pois acredito em coisas que os ricos não acreditam. Em primeiro lugar, distribuiria ferozmente minhas riquezas. Começaria como todo ganhador do BBB começa: compraria propriedades para minha família viver bem por anos vindouros. Criaria um fundo para garantir a faculdade e a vida de meus irmãozinhos — porém com um gerente (muitíssimo bem pago) que garantiria que eles não iriam passar fome, mas que teriam que aprender a viver e trabalhar como todo mundo.
Até aí, o assassino nem saberia meu nome, afinal, não sou perigo para ninguém.
A coisa começaria a ficar estranha quando eu começasse a distribuir para pessoas próximas que não são parte da minha família. Com certeza João teria a vida feita e poderia enfim escrever seus livros com paz e tranquilidade. Ramon e eu teríamos uma empresa de jogos em que ele pudesse pirar na batatinha e que todo mundo fosse pago de modo justo. O Tempos Fantásticos teria produção e distribuição internacional, sendo reconhecido portanto como a publicação de ficção de maior alcance no mundo (depois da Bíblia, claro). Janine se mudaria com Julia para um sítio e, lá, morariam com mais ou menos quinze gatos, oito cachorros, e um número variável de animais distintos.
O assassino, nesse momento, saberia que um novo bilionário existe, mas não teria meu nome em sua lista — até que a filantropia saísse do meu círculo de conhecidos e fosse pra fora. Ele com certeza ouviria meu nome ao saber que eu comprei uma série de prédios abandonados no centro de São Paulo (e outras cidades) — aqueles que só servem para especulação comercial — e que os transformei em moradia social. Seu telefone tocaria após eu criar uma extensa rede de auxílio para a população de rua, depois do lançamento do meu próprio Bom Prato, e dos investimentos em saúde e infraestrutura.
Eu nunca serei rico pois eu queimaria meu dinheiro em empreendimentos que não visam lucro e que, principalmente, batem de frente com o que o mercado gosta. Pense que bilionários tem dinheiro o bastante para acabar com a fome do mundo umas dez vezes antes do dinheiro acabar — eu com certeza colocaria 10% do meu dinheiro nisso, talvez até 20%.
“Ah, mas isso é insustentável, o seu dinheiro iria acabar em algum momento”. Sim, ele iria, mas até isso acontecer, imagine a quantidade de vidas que seriam mudadas. Uma porrada de gente estaria vivendo — não só sobrevivendo — e crescendo nesse cruel mundo que só se importa com dinheiro.
Tenho certeza de uma coisa: as pessoas que entendem mais de política e economia do que eu estão lendo esse artigo e pensando “mas ele é um maluco, isso nunca funcionaria”. Talvez vocês estejam certos, e esse processo completamente alucinante de distribuição de riquezas esteja fora de cogitação mas… será que estaria mesmo? Ou será que estamos só pensando como ele se encaixaria nesse mundinho que a gente se encontra?
De qualquer modo, eu nunca serei rico, pois o assassino me encontraria antes. Se não fizesse seu serviço em decorrência de todas as ações já descritas, talvez o fizesse após descobrirem meu financiamento secreto em uma milícia comunista, pronta para explodir em ações armadas no mundo todo e tomar o controle geral — afinal, se nosso mundinho não encapsula minha megalomania, podemos mudar o mundinho, certo?
Nunca serei rico pois acredito nas artes — e investiria pra que todo mundo pudesse viver apenas disso. Imagine quantos bares perderiam garçons e garçonetes após todos os atores, escritores, músicos, poetas, cineastas e pintores amadores se demitirem para poderem viver da arte.
Colocaria dinheiro no mundo até a inflação se tornar insustentável, até o valor do dólar/euro/real/yene/rúpias se tornar irrelevante, sendo assim necessário o retorno à economia pré-moeda, em que a gente fazia as coisas pros outros porque gostava e dividia sem olhar a quem.
(Aliás, essa ideia de que a economia pré-moeda é de troca e escambo é um conceito errado, viu? A humanidade vivia, antes do dinheiro, uma economia dos presentes. Olha que coisa linda, presentes ao invés de grana)
Se a gente juntar o dinheiro que os bilionários tem, conseguiríamos viver todos numa utopia greco-romana, cheia de vinho, sexo, e felicidade. Mas não, vamos guardar tudo num cofre gigante e guardar para nós, sem compartilhar um tostão.
Se um dia eu ficar rico, eu não serei rico. Antes disso, meu dinheiro já estará por aí, pelo mundo, sendo queimado em prol da humanidade, e não do indivíduo.
PS: porém sendo bem sincero, eu vou comprar minha câmera antes.
Novidade
Em minha busca por riqueza, segui os conselhos de colegas do grupo de newsletters do Telegram e ativei os pagamentos para essa newsletter.
Por enquanto, o que vocês vão receber se assinarem minha publicação é: abraços, beijos, e bons pensamentos.
Ainda estou pensando sobre o que fazer para recompensar quem paga (isso é filosoficamente errado pra mim) mas ainda não cheguei em lugar nenhum.
Portanto, fica aí a chance de você colaborar com míseros reais com minha produção e fazer valer o trabalho que eu coloco aqui nessa newsletter.
Caramboletas, Angelo!
Caiu uma lágrima aqui 🥲
E esse final só digo uma coisa: você deveria voltar a fotografar caceta! 🥰