Nesta edição do Cronofobia:
Hades
Mixed by Erry
Mars Express
Vonnegut
Tempo de leitura: ±8 minutos
Hades, ou “como cativar um incativante”
Eu nem acredito que to escrevendo sobre um jogo roguelike.
Não gosto nada do gênero “eu vivo, eu morro, eu vivo de novo”. Essa coisa de você ter um personagem que passa por poucas e boas, evolui os poderes no caminho, destrói uma penca de inimigos, e que no primeiro fraquejar leva uma facada no bucho… e você é obrigado a recomeçar do zero sem nenhum dos poderes adquiridos… não é pra mim.
Por isso que eu não acredito em reencarnação. Como dizem meus irmãos de 13 anos: “se morrer, morreu”.
Calma, rogue o quê?
O gênero começou lá em 1980 com o jogo (adivinhem?) Rogue. Daí pra frente, vários jogos tipo-rogue saíram, com a mesma premissa do original: se morrer, reseta tudo. Seu conhecimento é sua arma e se você quiser vencer, git good. Em toda nova “vida” o mapa é randomizado e você nunca sabe o que vai encontrar pela frente, só tem uma breve noção de que o bagui vai ser loco.
Eu não vou gastar muito tempo explicando os meandros do gênero, sua história e evolução. Tem gente que fez isso muito melhor que eu, e vocês podem ir lá ler e se educar. Vou focar aqui no jogo do título para ter mais brevidade no tópico.
Porém uma diferenciação importante é que Hades não é um roguelike, mas sim um roguelite. Enquanto Rogue e seus filhos tinham uma mecânica punitiva forte — morreu? Volta do início igualzinho antes, pobre e fudido — os jogos roguelites (rogue-lights) são (adivinha?) mais leves. Você morre e volta do início, claro, mas há jeitos de carregar um pouquinho mais de poder entre uma partida (uma run) e outra.
Em Hades, por exemplo, você perde todo o seu dinheiro quando morre, exceto uma moeda específica usada para comprar melhorias nas habilidades — o que te faz ficar mais forte lentamente, incrementalmente. Em Rogue Legacy, quando você morre seu dinheiro não evapora, e você pode gastá-lo no ponto de início com múltiplos upgrades.
Calma, que merda é Hades?
A linha de pensamento tá difícil hoje, perdão, vamos lá.
Hades é um jogo produzido pela Supergiant Games, lançado em versão de testes em 2018 e completo em 2020.
Saca só o trailer pra entender um pouco melhor:
Esse jogo foi (e é) um fenômeno e eu, como curiosinho, comprei pra testar.
E, a priori, odiei.
Calma, você odiou????
Eu gosto de narrativa, história, evolução de personagem. Esse negócio de começar do nada, se mover por cenários criados aleatoriamente, morrer e voltar do zero… não me traz nenhum tipo de senso de evolução. Eu preciso ter a mínima noção que as coisas estão dando certo nos videogames — sim, já levei para a terapia, tem muito a ver com como minha vida é seguida de tragédias aleatórias e mudanças bruscas e como eu busco nos videogames uma ilusão de progresso e recompensa. Minha psicóloga ganha bem.
A ideia de passar horas jogando e, puft, por causa de um errinho ter que voltar do zero… não me apetece.
Quando comecei a jogar Hades, verbalizei “ah não, é roguelike” mas tentei mesmo assim. Alguma coisa me cativou de início, não sei bem dizer o que. Pode ter sido a publicadora — Supergiant Games fez coisas muito boas no passado —, ou a dublagem perfeita, ou a mitologia grega (que eu manjo um tanto), ou o simples fato que TODOS os personagens são uns baitas de uns gostosos… algo me pegou.
A premissa dele é simples: Zagreus, filho de Hades, e cansou da vida ali no inferno, e quer subir até o Monte Olimpo para conhecer sua mãe biológica — depois de descobrir que Nyx é só uma mãe adotiva.
Mas Hades não deixa barato: ninguém, nem mesmo seu filho, sai dali. O inferno é a prisão de fato perpétua, sem escapatória — exceto pra uma meia dúzia de heróis gregos, mas shhh não falem em voz alta. Zagreus manda o pai tomar no cu (oi Freud) e tenta mesmo assim, arregaçando na porrada todos os minions do pai que tentam derrubá-lo.
Alguns deuses extremamente deliciosos tentam ajudá-lo pelo caminho, oferencendo bônus e benefícios para ele — como um soco mais forte, um ataque que acerta múltiplos inimigos, ou um escudo que deflete projéteis (MELHOR UPGRADE EVER).
O ponto é que você já tá no inferno, ou seja, se você vai lutar contra uma das três fúrias muito gostosas (e doidinhas da cabeça, do jeito que eu gosto), e elas te estraçalham no soco (💦), você não necessariamente morre. Tu já tá morto, saca? Você só volta ao início e todo mundo continua lá, vivendo a vidinha deles, e — principalmente — comentando sobre a sua.
Os personagens respondem ao que você fez na sua última run, fazem piada com quem te matou, comentam sobre poderes que você pegou, tudo isso casualmente — como se alguns deles não tivessem enfiado um punho inteiro no seu rabo.
E isso… é fascinante. O jeito que Hades te mantém cativado com (olha ela aí) a narrativa foi algo novo no gênero. Você quer fazer mais uma run, porque quer encontrar Eurydice de novo e falar que Orfeu ainda gosta dela. Se você encontrá-la, quer morrer para conseguir contar para Orfeu as novidades.
Cada nova morte não significa um recomeço, mas a continuação de uma história. Por exemplo, quando você termina o jogo e encontra um certo personagem, ao morrer (sim, você morre no final, desculpa o spoiler), a primeira coisa que você quer fazer é contar pra todo mundo o que aconteceu e ver a reação deles.
O JOGO TERMINOU, mas eu quero continuar jogando. Ainda tem história, não acabou, quero saber o que vai acontecer, MIM DÁ MAIS PAPAI!!!
O jogo também é delicioso mecanicamente. É rápido, frenético, muito visual, e absolutamente lindo. Os comandos tem respostas rápidas, você flui like water pelos estágios, e as armas tem distinções fortes que fazem que o gameplay mude drasticamente, dependendo se você escolher as luvas de boxe, a lança, a espada, ou a metralhadora (sim).
As melhorias que você compra entre partidas são essenciais; é gritante a diferença entre uma run com nenhum poder extra, e uma run com três possíveis ressurreições — morreu? Toma mais um pouco de vida e continua. Elas te fazem mais poderoso e melhoram o jeito que o jogo anda, te aproximando cada vez mais de matar seu pai (eu disse isso? Pra vencer o jogo você tem que matar Hades, seu papaizinho — olha Freud de novo aí).
Venci Hades pela primeira vez após ±17 horas de jogo, o que é muito pouco. Em comparação, abaixo está meu play time de Hades.
Aqui, meu play time de RimWorld:
E, para vocês verem como eu sou péssimo nesse jogo, esse foi minha tela de vitória — sim, com a espadinha, arma de noob, foda-se.
Calma, você vai jogar mais?
Olha, querer eu quero, mas a DLC de Elden Ring tá chegando e isso vai tomar 200% do meu tempo livre. Porém eu tenho vontade sim. Aliás, lançaram recentemente Hades 2 em versão de testes, e eu preciso ver se os personagens são tão gostosos quanto — spoiler, são.
Minha experiência com Hades foi sensacional, e eu nunca mais tive nada desse tipo com nenhum outro jogo do gênero. Eu nem dou muita bola para novos roguelikes lançados, não sigo essa keyword nas redes sociais, e não tenho muito interesse em tentar outras coisas… mas Hades… ah, esse ficou no meu coração.
Rapidinhas
The Last Spell
Falando em roguelikes (e me contradizendo completamente), joguei esse que mistura batalha tática (amo) com o gênero supracitado (odeio).
Me diverti bastante e acho que vale o clique — afinal, qualquer coisa X-Com-Like me atrai profundamente e vai te atrair também, confia.
Mixed by Erry
Recomendo esse filme sobre ombreiras, ingenuidade, e muito trambique. Ele é baseado em fatos reais: uns moleques em Nápoles, Itália, resolvem copiar uns discos em fitas cassete e distribuí-los — fazendo mixes tipo “Melhores de 1985” ou “Summer Electro Hits” ou “Celso Portiolli Faz a Festa” (algo nesse naipe). Claro que é tudo na surdina e que nem eles sabem o tamanho da encrenca em que estão entrando, e isso faz com que a história toda seja ainda mais divertida.
Os personagens são bem cativantes e o fato do filme ser falado (e gesticulado) em italiano faz com que qualquer diálogo soe intenso. Aliás, que roteiro bem escrito, cheio de sabor, com discussões vivas e conversas atrapalhadas — tipo a vida real. Por ser em Nápoles, os cenários se parecem bastante com o Brasil — um dia falo disso aqui — e, numa cinestesia maluca, achei o visual com uma vibe pesadíssima “Giorgio By Moroder”.
Assista em um fim de noite quando precisar dar uma risada e pensar que esses caras teriam feito uma grana fudida nos tempos de Playstation 1 e CDs piratas no Brasil.
PS: você sabia que dá pra digitar atalhos para emojis no Whatsapp? Se você digitar :eyes:
, você tem a sugestão de 👀. :pleading:
traz 🥺. Se você começa a digitar :italia:
… ele traz 🤌. Isso me faz ficar assim 🤔 (:ponder:
).
Mars Express
Vi a animação francesa de ficção científica e adorei. Não só é bem bonita mas tem uma história interessante e cativante — gosto muito quando sci-fi não faz infodump e você consegue ir descobrindo o estado do mundo conforme a história é contada.
É um ótimo filme para adicionar em uma categoria que adoro, a do detetive-noir-mas-no-futuro — a primeira temporada de The Expanse (com Detective Miller), a HQ The Fuse (com detetives em uma estação espacial), e, agora, Mars Express.
Vonnegut
Resolvi revisitar alguns livros do Vonnegut que li há muitos anos e, bem, a experiência tá sendo maravilhosa. Vonnegut continua sendo sensacional em apresentar personagens medíocres em histórias absurdas, e com certeza vou escrever sobre ele aqui em uma edição futura. Por enquanto, um grão da genialidade do homem:
É isso por hoje. Nas próximas edições:
um longo monólogo sobre Cyberpunk 2077 (jogo, quadrinhos, série, e livro);
A amizade construída pela constância (ou: terminei Parks & Recreation);
Feliz que Hades te inspirou com essa narrativa de migalhas que vai crescendo. É um jogão que separa bem alguns elementos e dá vontade, mesmo, de jogar. Quanto ao Vonnegut, comecei a ler essa semana. Esquisito e maravilhoso. E o lance das fitas piratas me faz pensar muito na genialidade da história do Bomba Patch.
“como cativar um incativante” pondo personagens carismáticos e gostosos
é isso esse é meu ted talk