Festa estranha, com gente esquisita
Meetups, munches, petit-comitês, gatherings, e outros eventos que participei na Alemanha.
Em busca de contato humano em um novo país, procurei conexões em diversos grupos. Tentei aparecer em alguns eventos organizados pelo Reddit e até organizei alguns por conta própria. No fim das contas, pesquisei por eventos mais… específicos aos meus gostos.
Descobri um encontro quinzenal de adeptos a fetiches e BDSM, repleto de pessoas que apreciam o mundo kink e se encontram para conversar sobre a vida, o universo, e plugs anais. Esse meetup é em um bar normal, frequentado por pessoas normais, tendo conversas normais — a não ser que você chegue perto e escute sobre o que conversamos, não dá pra saber que ali todo mundo é maluco — gostos peculiares que você não entenderia e etc.
A partir desse encontro, comecei a frequentar festas diferentes das que estou acostumado — e as particularidades delas. Aprendi que fetish party é uma balada com gente vestida de couro e látex, porém focada em iniciantes e curiosos — já que é, no fim, uma tecnera como qualquer outra. Já as play parties são festas cujos participantes — também de couro e látex — praticam as tais cenas do mundo BDSM e fetiche: há gente levando palmadas no traseiro, pessoas com grampos nos mamilos, e máquinas de tortura reaproveitadas para outro tipo de tortura.
Não é sempre que rola pau na lomba. Muitas vezes o fetiche é praticado sem ligação direta ao ato sexual, e o tradicional tchaca tchaca na butchaca quase nunca é visto em play parties — o foco é a prática das cenas, e a exploração do prazer de outras formas.
Porém, existem as festas sex-positive: uma balada com gente vestida — adivinha — de látex e couro, porém com espaços dedicados pra fazer o que seus pais fazem e você prefer não pensar sobre. Existem os curiosos ou experientes em BDSM, mas o fetiche em si não é o mais importante: a ideia é dançar, flertar, e cair de boca num piru ali mesmo se der vontade. Sexo acontece com muito mais frequência em festas desse tipo do que em play parties.
Resumindo:
Fetish party: festa pra fashionistas ou curiosos com esse mundo.
Play party: festa para quem já tá ligado no movimento e sabe melhor o que quer fazer.
Sex-positive party: festa pra quem quer dançar e foder, independente da prática do fetiche ou não.
É importante eu dividir um conceito pessoal: as festas sex-positive não são surubas. Nas festas sex-positive, as pessoas podem transar entre si, claro, mas existe ainda uma trava moral muito forte e as pessoas acabam ficando em pares ou, no máximo, trios. Há muito pouca integração entre desconhecidos. Outro ponto é que qualquer um pode ir à uma sex-positive party: há um processo seletivo mas ele é superficial. No fim das contas, basta você comprar o ingresso — ou seja, já fui em festas sex-positive com mais de cem pessoas, e devo ter visto no máximo 20 transando.
Uma suruba requer uma seleção mais rigorosa e um número limitado de participantes — e definitivamente a pista de dança não é o lugar mais lotado, e sim a roda de conversa. Em festas sex-positive o uso de drogas e álcool não é limitado — os organizadores até dizem “drogas, só se a gente não ver”. Ou seja, o banheiro é bem movimentado e o fumódromo tem pouquíssimo tabaco — enquanto em surubas existe uma política de substâncias rígida e bem definida.
Há um evento que tem minha curiosidade desde muito antes de eu me tornar um adulto, o Burning Man. Se você não conhece, ele funciona assim: uns malucos vão pra um deserto, constróem umas estruturas, passam uns dias festejando, erguem um bonecão de madeira gigante e metem fogo nele. Daí, eles vão embora como se nada tivesse acontecido e — regra importante — deixam o lugar do mesmo jeito que acharam. O rolê é bem tudo-positive: tem família que leva adolescente, tem atividade pra crianças, e tem tenda com rodadas grátis de ketamina. Aliás, eles tem uma filosofia anticapitalista interessante, e tudo é feito na base do escambo.
O Burning Man acontece nos Estados Unidos, mas em outros lugares do mundo eles organizam mini-burns ou, no caso de Munique, micro-burns.
Neste ano, o Munich Micro Burn espera em torno de 120 pessoas — as inscrições estão abertas — e, óbvio, eu acabei me envolvendo na organização, mesmo nunca tendo ido a um burn antes. Algumas pessoas ouviram sobre minha experiência organizando surubas e, bem, acabei no grupo de organização do play space do evento.
O tal play space é bem menor do que estou acostumado e ainda estou tentando entender como posso ajudar, mas já é algo mais familiar que as outras festas que frequentei.
Para acabar, fui também em uma festa diferentona focada em dança, contato não-verbal, erotismo, e toque — mas também sem o que eles chamam, em inglês, de union — nhanhar, fazer bobagem, dar um fight. Enquanto estava em férias no Brasil (e organizando suruba), deixei de participar de uma naked party aqui, ou seja, todo mundo nu porém sem contato sexual.
Ainda busco um espaço que se pareça ao mínimo com o tipo de evento que eu costumava organizar no Brasil. Se ele não aparecer, talvez precise fazer o inevitável: organizar um deles eu mesmo.
Essa newsletter começou como uma introdução à última edição d’À Revelia, mas preferi separar para deixar aquela mais literária. Se você não leu, pode clicar abaixo.
Em breve, uma nova edição da Rapidinha com updates gerais, e outra exploração musical, na Moanin’. Assine a newsletter para receber novas edições.