A paixão pelo futuro
A morte pode ser a única certeza, mas é a velhice que me aterroriza
Nesta edição do Cronofobia:
A paixão pelo futuro
Presumed Innocent
Filmes de Terry Gilliam
Ciência no Cinema
Tudo começa com esse tuíte do amigo Clóvis:
Quero ser assim quando eu crescer
Há uns anos, conversava com minha amiga e tatuadora Jana Sirena, e entramos num papo de futuro e passado interessante. A gente conversava sobre o que a gente era quando crianças e qual eram nossas perspectivas de vida, e em certo momento ela olhou pra si e disse:
cara, você percebe que a gente é igual o que a gente achava descolado quando crianças? Tipo, nossas roupas, tatuagens, piercings… o Angelo e Jana de hoje são descolados demais nos olhos do Angelo e Jana do passado. A gente é o que a gente sempre quis ser.
Porra men. É verdade. Demais.
Primeiro que a Jana não falou nada sobre dinheiro ou profissões. Quando perguntam pra criança “o que você quer ser quando crescer” a gente raramente espera escuta “feliz” ou “cheio de amigos” ou “fiel ao sagrado matrimônio”. A gente escuta… profissões. No mínimo, um “rico”.
Eu mesmo queria ser cientista — repetia isso pra todo mundo, tinha uma certa fixação com o Leonardo DaVinci e queria ser um homem renascentista: químico, físico, matemático, astrônomo, biólogo. Falava pra todo mundo que ia pra essa carreira quando crescesse, e que ia fazer descobertas inéditas (óbvio) e experimentos nunca antes experimentados.
Fora do quesito profissional, eu sempre admirei essa galera alternativa e descolada — gente da música, o pessoal do Miami Ink, quem frequentava a galeria do rock. Sempre pensei: eu quero ser assim quando crescer. E olha só, mais de 50 tatuagens depois, cá estou.
Mas e a vida? Além trampo, além estética, e a vida? Eu nunca pensei como seria minha vida adulta além do que faria para ter dinheiro.
Mas pera, é mentira. Eu pensei sim.
Só que… na verdade, eu só pensei o que me alimentavam, sem muita independência intelectual. Eu queria casar e ter filhos, ter uma casa e um carro (ops, dinheiro), e ser pastor evangélico (sim). Queria continuar morando ali, naquele terrenão entre meus pais, meus avós, e meus tios, todo mundo dividindo o mesmo quintal.
A questão é que nenhuma alternativa me foi apresentada. Meu avô era pastor, e pra mim aquele era o máximo da admiração que era alcançável — meu pai, músico na igreja, era descolado, mas não admirável, na minha comparação infantil. Portanto, para ter esse lugar de honra entre as pessoas, eu precisava seguir esse exemplo e também ser pastor.
Nesse meio evangélico o casamento é a meta final de todo adulto, com o adendo dos filhos. Claro que eu queria casar — e casei, vejam bem como a vida é louca — e ter um montão de filhos… pois é assim que a sociedade vai me ver como um membro ativo, fazendo sua parte, e levando a molecada ranhenta toda na igreja no domingo de manhã. Imaginava eles fazendo lição na casa da avó, igual eu fazia com a minha.
Não existia outro caminho.
Envelhecer
O fato de minha mãe e meu pai terem morrido em acidentes automotivos e não terem visto seus 60 anos me faz ter uma relação complicada com a velhice. Hoje, não tenho velhos ao meu redor.
As experiências prévias com gente mais velha não foram boas. Vi meu avô se transformar de uma pessoa admirável para um ser mesquinho e egoísta. Ele morreu há um tempo, mas a gente já não se falava há anos — o que gerou muito assunto na terapia desse “duplo luto”: ele já havia morrido em minha mente, mas agora the deed is done e eu entrei em parafuso quando não fiquei nada triste com seu falecimento.
Quando era casado, acompanhei o início da jornada de minha sogra pelo Alzheimer. A conheci lúcida e, com os anos, a vi perdendo a memória e a noção das coisas. Ela morreu pouco depois do meu divórcio, e o sentimento da minha ex era parecido do meu com meu avô; para ela, a mãe já havia morrido e só sobrara uma casca ali, uma representação do que ela foi um dia. Duplo luto.
Reflito sobre a velhice e não faço ideia de quem vou ser quando crescer. Tento, aos 34 anos, correr atrás do prejuízo e fazer atividades físicas, comer melhor, não me entupir de álcool, só usar as drogas certas nos momentos certos. Nunca pensei que chegaria ao ponto de ter cabelos brancos, cotovelos enrugados, e canela seca. Ainda acho que vou morrer como meus pais — do nada, cedo, e com muita coisa deixada para trás.
O futuro virá
O tuíte do Clóvis que gerou essa reflexão toda, lá no topo, me fez entrar uma tempestade de ideias de como é gostoso ver uma pessoa que poderia tranquilamente ser você do futuro. Ver a boa velhice como um alvo, não como uma consequência.
Private Eye, dos fenomenais Brian K. Vaughan, Marcos Martin & Munsta Vicente, é uma HQ em que a internet inteira virou pública. Todas as DMs, os nudes, o histórico do pornô, tudo virou público e pesquisável. A privacidade acabou e as pessoas começaram a usar máscaras no dia a dia para criarem novas personalidades. A HQ — traduzida para o português por Erico Assis e Fabiano Dejardin — pode ser baixada num estilo “pague quanto quiser” (ou seja, pode ser zero reais) nesse site. É só clicar em “buy now”.
Cito a história aqui pois ela tem um personagem que… sou eu.
Não só o vovô era um livro aberto como ele tinha orgulho de ser assim. Esse é o jeito que tento viver minha vida hoje, sem pensar muito nas consequências do futuro. Não sei se, velho, todo o meu histórico como organizador de surubas vai me fazer bem ou mal — posso ser o terror do asilo ou uma vergonha para meus irmãos crentes.
Agora, aos 34, comecei a guardar dinheiro pro futuro, e pensar em saúde. Acho que a perspectiva mudou quando eu comecei a tutorar meus dois irmãos de 13 anos — ter “filhos” muda os pensamentos, confesso — mas já era a hora de olhar para minha vida com outros olhos. Antes, não achava que ia envelhecer, então não tinha o que fazer sobre isso. Hoje, me previno para não virar meu avô, para não ser um velho sem-vergonha, para não sofrer até a morte.
Hoje, vivo para morrer bem.
Rapidinhas
Presumed Innocent
A série com Jake Gyllenhaal como protagonista é FUDIDA de boa. Descobri que é um remake de um filme de 1990 com Harrison Ford, mas nem quero ver o original de tão bom que é o remake.
O promotor público Rusty se vê numa lambança jurídica quando a colega de trabalho (e amante) morre assassinada — e ele é o principal suspeito.
Depois de ter visto (e amado) Nightcrawler com Jake, e agora vendo ele fazendo esse personagem totalmente diferente, digo sem pestanejar: que ator foda.
Filmes de Terry Gilliam
Resolvi pegar uns filmes do diretor e Monty Python Terry Gilliam pra ver qualéquié — claro, sem contar O Cálice Sagrado, que já é hors concours.
Comecei com o maluco As Aventuras do Barão de Munchausen, de 1988, que é basicamente uma viagem de ácido completamente alucinante. Vale a pena ver, mas já saiba que é um filme de fantasia trasheiro.
Fui (erradamente, veja abaixo) para 12 Macacos, de 1995, que já havia visto no passado. É, talvez, a melhor atuação do Brucee Willis e tem Brad Pitt chumbado de droga. Que filmaço. Vale a pena demais.
Para terminar essa brincadeira, vi Brazil, de 1985. Errei. Ele parece, estéticamente, um rascunho do 12 Macacos, deveria tê-lo visto primeiro. Por mais consagrado que ele seja, achei uma zona da porra e não gostei da maioria do filme. A estética e Robert De Niro fazendo um encanador revolucionário salvam, mas não o bastante pra me fazer gostar de tudo.
Ciência no Cinema
Falei na última edição que iria numa seção do Ciência no Cinema, do ICTP-SAIFR, ali no Reag Belas Artes (SP). Fui e foi bem massa.
Não só vimos “Teoria de Tudo”, biopic de Stephen Hawkings, como ouvimos o debate entre dois físicos discutindo como boa parte da fama do rapaz veio mais da mídia do que dos seus feitos científicos — na bolha dos nerdolas ele era só mais um cara fazendo conta, mas pro resto do mundo foi pintado como o gênio do século.
Não sei exatamente quando vai ser o próximo (uma terça feira aí) pois a divulgação do evento é bem ruim, mas fiquem ligado pois vale muito a pena. Fui, vi um filme legal, ouvi um debate interessante, e ainda dei uns beijos no date — me apaixonei, to fudido — ou seja, evento 10/10.
Por enquanto é só e até a próxima. Não se esqueça de assinar a newsletter se você só me segue (sim, o Substack dá dessas e diferencia as coisas) e de cogitar jogar alguns reais na minha conta pra manter o tesão de fazer isso aqui que eu faço com tanto carinho.
Eu queria muito te dar um abraço. Gostei muito do que você falou sobre ser algo que o Angelo gostaria de ser. Eu também me sinto assim com as tattoos (inclusive passear na galeria do rock e me sentir pertencente). E sobre o duplo luto, é difícil mesmo. Já passei por isso e entendo bem. Mas é isso, queria te dar um abraço. Adoro te ler.